terça-feira, 16 de novembro de 2010

Condição sinequanon para transformar o Brasil em potência científica e tecnológica




Após quase 3 meses de silêncio, o blog está de volta. A vida corrida, viagens e outros compromissos me impedem de garantir a periodicidade com que passarei por aqui novamente. De qualquer modo o post de hoje está garantido.
Reabro o espaço apresentando a íntegra da nova pesquisa sobre dificuldades de importação de material científico no Brasil.
Se você não tiver tempo ou paciência de chegar até o final desse texto, tudo bem. Peço só que se atente aos três pontos a seguir, resgatados de carta que Sidarta Ribeiro e eu escrevemos ao Presidente Lula em 2003:
1)   O Brasil só vai dar certo de verdade se tiver uma ciência muito boa;
2)   Na pesquisa busca-se a verdade mais recente, ganha o primeiro a depositar a patente, o primeiro a publicar o artigo científico;
3)   É urgente desburocratizar o processo de importação de material científico em nosso país. Enquanto o desembaraço alfandegário de itens essenciais à realização das pesquisas demorar no mínimo um mês, será praticamente impossível chegar primeiro à novidade. Continuaremos a morrer na praia.
Essa nova edição da pesquisa complementa avaliações prévias realizadas em parceria com Mauro Rebelo, com apoio da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) e Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FesBE).
Publicadas, em 2004 na revista Nature e em 2007 no blog da revista PLoS, contribuíram para chamar a atenção do governo brasileiro para o problema. Normativas da Receita Federal (2007) e Anvisa (2008) foram divulgadas com o intuito de facilitar a liberação de material de pesquisa importado por cientistas brasileiros. Para entendê-las clique aqui e aqui.
Só que o tempo passou e na prática não houve melhorias significativas no processo de importação de material científico. Para podermos rediscutir o assunto com conhecimento de causa e não baseados somente numa percepção diária de que os reagentes comprados por cientistas continuavam a demorar uma eternidade para chegar, surgiu a idéia de reeditar o levantamento.
Dessa vez em parceria com Daniel Veloso Cadilhe, aluno de doutorado do LaNCE-UFRJ e contando com a ajuda do Instituto de Ciências Biomédicas, da Federação de Sociedades de Biologia Experimental, da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, do Jornal da Ciência Online e dos jornalistas Reinaldo José Lopes e Marcelo Leite, o questionário foi divulgado na internet e preenchido por 165 cientistas de 35 instituições de pesquisa de 11 estados brasileiros.
Aproveito a oportunidade para agradecer a visita de Marcelo Leite ao LaNCE-UFRJ. Marcelo, um dos pioneiros do jornalismo científico no Brasil, veio até o Rio de Janeiro conhecer o que fazemos por aqui. O resultado dessa visita foi publicada hoje na revista Ilustríssima da Folha de São Paulo e está disponível para assinantes. Da mesma forma, agradeço aos jornalistas Renato Grandelle do Globo e Jamile Bastos do Olhar Vital UFRJ que também repercutiram o assunto. Suas reportagens estão disponíveis aqui e aqui.
A versão 2010 da pesquisa indica que 76% dos cientistas já perderam material científico preso na alfândega, 99% resolveram mudar os rumos de suas pesquisas em virtude das dificuldades para importar os reagentes necessários enquanto 92% têm de esperar no mínimo 1 mês pela chegada dos reagentes.
Para baixar o arquivo completo com todos os gráficos e análises sobre as dificuldades de importação de material científico no Brasil, clique aqui.
Os resultados são terrivelmente preocupantes pois sugerem que o maior gargalo para o progresso da ciência brasileira está no tempo de espera pela chegada dos reagentes e equipamentos, e não necessariamente (ou exclusivamente) na quantidade de recursos investidos em ciência e tecnologia em nosso pais.
Coincidentemente, na semana retrasada estive em São Paulo entrevistando candidatos brasileiros para bolsas de estudo da Fundação Americana PEW. Todos, sem exceção, sustentaram que a principal vantagem de trabalhar nos EUA está na agilidade com que o material necessário para as suas pesquisas chega aos seus laboratórios. Confirmando portanto a tese de que para nos tornarmos competitivos e reduzirmos a evasão de cérebros, precisamos de acesso rápido aos reagentes e equipamentos científicos comprados no exterior.
Em artigo de 2008 publicado na Folha de São Paulo, Mauro Rebelo e eu escrevemos que tão importante quanto o cumprimento do regulamento técnico para a importação de material para pesquisa em saúde é a necessidade de treinamento adequado dos fiscais da Anvisa, além da criação, pela Receita Federal, de entrepostos que permitam desembaraço em 48 horas, com instalações capazes de estocar as cargas importadas pelos cientistas, incluindo células e animais.
A sugestão se mantém, principalmente porque para que se cumpram as promessas da presidente eleita Dilma Rousseff para o setor de Ciência e Tecnologia - ampliar o registro de patentes, privilegiar as pesquisas em biotecnologia, saúde, produção de fármacos e transformar o Brasil em potência científica e tecnológica - será necessário um pacto pela ciência envolvendo todos os órgãos subordinados ao governo federal.
Somente uma ação coordenada será capaz de viabilizar o desembaraço ágil de produtos cruciais ao progresso científico brasileiro. Não nos transformaremos em potência científica e tecnológica enquanto a burocracia continuar interferindo no acesso a materiais essenciais à geração de conhecimento, principalmente na área biomédica.

Por Stevens Rehen às 10h23
Fonte: http://stevensrehen.blog.uol.com.br/arch2010-11-01_2010-11-30.html